
Enquanto vivia como emigrante, a Cachaça Pindorama ganhava prêmios no exterior, como a medalha de prata do International Spirits Challenge, na Grã-Bretanha, e encantava os que tinham a oportunidade de experimentá-la por aqui.
No fim do ano passado, os produtores se convenceram de que era hora de apresentar a Pindorama para o mercado brasileiro. Para atuar como embaixador da marca, contrataram o especialista Milton Lima. O embaixador tratou de gerar uma imensa expectativa sobre a “nova” cachaça. Enfim, chegou a hora. Desde a semana passada, a Pindorama está disponível para distribuição na Mr. Man.
É uma cachaça única. E com isso não quero dizer que é a melhor ou a pior das branquinhas, apenas que é um produto sem comparação com o que existe nas prateleiras. É cachaça, inclusive, que pode ser difícil para quem está começando a explorar o universo cachacístico ou que fixou o seu gosto em determinados estilos, sem mergulhar mais profundamente nos mistérios do nosso destilado.
Porque a Pindorama é em si um estilo. E uma cachaça sem concessões, sob medida para quem gosta muito de cachaça. Para esses, ela é daquelas que fazem o coração bater mais forte e a cabeça lembrar dos versos de Paulinho da Viola: “Apesar de tudo, existe uma fonte de água pura”.
A primeira consideração a fazer é, incontornavelmente, sobre o rótulo. Obra do escritório Oveja e Remi, de Mendosa, Argentina, ele exibe uma floresta mítica, uma representação de um Brasil primordial. Os traços remetem à visão que os europeus tinham do Novo Mundo no início da era das grandes navegações. Ali estão os mistérios da ilha de Hy Brasil e da Terra Papagalli, quandoa América era para o Ocidente assolado por guerras e epidemias a representação do outro, um mundo paradisíacopovoado por seres mágicos.
Esses eram os arquétipos que alimentavam o imaginário europeu sobre o Novo Mundo no início da era das grandes navegações. E tudo é expressado no rótulo apenas em tons de verde. É um rótulo e uma garrafa – com o formato de um frasco de botica muito antiga – que já criam um clima para um mergulho atemporal em um universo de sensações.
Mas abramos a garrafa… E sintamos esse aroma que nos transporta diretamente para o alambique. E o que vem da garrafa enquanto o líquido transparente jorra para a taça remete o velho viajante dos estabelecimentos cachaceiros a um lugar mais específico ainda do alambique: a moenda.
Como uma madeleine para Proust, o devoto é teletransportado via aroma para o local onde a cana é prensada. A gente chega a olhar por sobre o ombro para localizar o bagaço. O aroma é esse: o do bagaço recém-prensado da Fazenda das Palmas.
A Fazenda das Palmas é a propriedade, localizada em Barão do Amparo, no município de Engenheiro Paulo de Frontin, onde nasce a Pindorama. A cachaça, inclusive, ganhou esse nome em alusão ao da fazenda, já que Pindorama era a denominação usada pelos indígenas da família linguística tupi para se referir à faixa litorânea do continente na qual se iniciou a colonização europeia do que viria a ser o Brasil.
Na fazenda, surgida em fins do século XVIII, pioneira no plantio do café e testemunha do auge do ciclo do produto no Vale do Paraíba, se alambica o caldo fermentado da cana desde 1855. Mas a Pindorama nasceu após a reforma do alambique, em 2013.
Cachaça Pindorama: aromas e sabores

O teor alcoólico da Pindorama é contido (40%), mas o corpo é muito bom. Após a fermentação natural, essa cachaça branca é alambicada e apenas armazenada em tonéis de inox para o devido assentamento.
É doce o bouquet da Pindorama, mas, sobretudo, fresco… Herbáceo – lembrando alfazema, sugerindo vento no rosto… – e chegando ao cítrico de um limão siciliano, mas com mais camadas de mistério. A percepção de álcool é levíssima.
Na boca, a primeira sensação também é a de frescor. Não é uma cachaça branca comportada, para a nossa alegria. É antes sensual, provocante, exigindo atenção do degustador.
Uma agradável acidez, aliada a uma certa secura, prenuncia o complexo leque de sensações da Pindorama. São camadas de sabores que vão sendo sugeridas e explicitadas no compasso da degustação.
Os sabores são sempre intensos, mesclando uma doçura de calda de coco queimado, uma reminiscência de melado e um registro marcantemente mentolado, sem nunca abrir mão de um toque sour, o que configura uma personalidade bastante peculiar.
A Pindorama – eu já disse – é uma cachaça para quem gosta muito de cachaça. É uma espécie de resumo e coleção das virtudes que uma cachaça branca pode ter.
Explico. Há cachaças com um delicioso dulçor; há as que conseguem equilibrar o ponto de acidez para serem suaves sem parecerem mortas; há as branquinhas com um toque mineral, seco… há de tudo. E cada estilo tem seus seguidores.
A Cachaça Pindorama parece conter tudo isso, sempre com intensidade. Isso significa que ela pode não agradar a alguns paladares. Mas, para aqueles que atingiram litragem suficiente para ter adquirido a bússola que permite percorrer a riqueza de sensações que uma cachaça branca pode oferecer e carregam a paixão pelo que há de mais genuíno na bebida nacional brasileira, a Pindorama é um acontecimento.
Complexidade é a chave. Portanto, recomendo ao devoto o seguinte exercício: tenha uma Pindorama em sua coleção. Converse com ela de tempos em tempos. Você verá que, à medida que o seu mergulho nos mistérios do nosso destilado se aprofundar, mais e mais belas sensações ela irá te oferecer. Uma degustação nunca será igual a outra.
Em um determinado momento, cedo ou tarde, você poderá ver em sua taça a essência fermentada e destilada do que pode produzir o engenho e os solos da terra de Pindorama.
Fuente: Dirley Fernandes –devotosdacachaça